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Foto do escritorMika Holanda

Novo estudo evidencia a relação das correntes oceânicas com as estratégias de conservação de mamíferos marinhos

Qual é o papel dos oceanógrafos na reabilitação e soltura de animais marinhos? Um novo estudo ilustra as importantes perspectivas que eles podem oferecer sobre onde e quando devolver animais ao mar.

Aclimatação de Tico: Tico passou um tempo se aclimatando ao ambiente oceânico e nadando com um rastreador antes de retornar ao mar aberto em julho de 2022 (Miguel Garcia / Acervo Aquasis)


A ONG brasileira Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis) resgatou um peixe-boi-marinho chamado Tico, que permaneceu sob os cuidados de biólogos e veterinários no Centro de Reabilitação de Mamíferos Marinhos por um período de oito anos. Tico foi solto na Praia de Peroba, no município de Icapuí, em julho de 2022, com um equipamento que acusava sua localização. Mas o que aconteceu a partir desse dia surpreendeu a todos os envolvidos. Tico viajou quase 4.000 km em 62 dias. Partiu do Ceará até a Ilha La Blanquilla, na Venezuela. E embora alguns peixes-bois sejam conhecidos por percorrer centenas ou até milhares de quilômetros, a velocidade e a distância da jornada de Tico resultaram em uma rota incomum.


Mapa simplificado: Tico viajou quase 4.000 quilômetros em 62 dias de Icapuí, Ceará, Brasil até a Ilha La Blanquilla, na Venezuela. Embora se saiba que alguns peixes-boi viajam centenas e até milhares de quilômetros, a velocidade e a distância da jornada de Tico foram tudo menos normais. (Charin Park, ©Instituição Oceanográfica Woods Hole)


A Aquasis entrou em contato com o oceanógrafo físico Iury Simoes-Sousa, do Woods Hole Oceanographic Institution (WHOI), para ajudar a analisar a trajetória de Tico. Simoes-Sousa, especialista em correntes oceânicas, conseguiu identificar que a movimentação do Tico foi influenciada pela Corrente Norte do Brasil (NBC), uma corrente oceânica quente e rápida que flui ao longo da costa da América do Sul, característica da circulação do Atlântico tropical.


"Estudando seu trajeto, podemos supor que Tico teve uma jornada muito exaustiva", disse Simoes-Sousa. "Com base em simulações de condições passadas do mar e dados de satélite, é provável que ele tenha encontrado várias tempestades violentas. As duas fontes prováveis de água doce disponíveis para ele foram as próprias tempestades e as plumas diluídas do rio Amazonas que se misturam às correntes oceânicas."

Em um ponto, a equipe que rastreava Tico começou a receber coordenadas mais precisas, levando-os a acreditar que o equipamento permaneceu exposto por um período mais longo. Isso poderia indicar que o transmissor se desprendeu do animal, que ele passou mais tempo na superfície ou que tratava-se de uma carcaça flutuante. Mesmo assim, durante todo o período em que Tico esteve em águas profundas, membros da equipe da Aquasis mantiveram contato com pesquisadores de diferentes países que auxiliaram nas buscas.


"Recebemos um e-mail inesperado de dois pescadores perto de Tobago dizendo que haviam avistado um peixe-boi com uma marca; pensamos que poderia ser o Tico, e conseguimos confirmar que era ele de fato. Ficamos tão felizes que alguns de nós choraram", disse o veterinário sênior da Aquasis, Vitor Luz Carvalho. "Quando Tico chegou às Ilhas Margaritas na Venezuela, ele estava em condições físicas precárias. Uma equipe conseguiu transportá-lo para um aquário local para que recebesse os cuidados necessários."

Equipe Aquasis: Os veterinários e especialistas em resgate da Aquasis, Vitor Luz, Felipe Catardo e Letícia Gonçalves foram à Venezuela para verificar o estado de saúde de Tico e planejar seu transporte de volta ao Brasil. (Segundo Carrasquero / Acervo Aquasis)


Tico havia perdido peso significativo e apresentava sinais de desidratação. Técnicos na Venezuela administraram um enema para tratar uma possível obstrução, removendo com sucesso uma sacola plástica do trato digestivo de Tico, o que foi crucial para sua sobrevivência. Os especialistas da Aquasis propuseram trazê-lo de volta ao Brasil para uma segunda tentativa de soltura, incorporando lições aprendidas com a primeira experiência. No entanto, compreender os fatores que influenciaram os movimentos de Tico foi importante para decidir seu destino.


A Aquasis se apoiou fortemente na experiência de Sousa com correntes oceânicas nos meses que se seguiram ao resgate. Sousa analisou várias simulações computacionais, sobrepondo o percurso de Tico com dados meteorológicos e oceanográficos. Tudo, desde a velocidade de Tico até seus desvios, alinhava-se perfeitamente com o movimento da NBC e seus grandes vórtices. Graças a esse relatório detalhado e à perspectiva especializada de um oceanógrafo, o Ministério do Meio Ambiente do Brasil aprovou uma licença de importação para trazer Tico de volta ao país.


Rastreador: Dois dias antes do retorno de Tico, um sistema de identificação composto por um cinto de pedúnculo, uma corda de 1,5 m e um transmissor flutuante foi preso ao animal. O equipamento foi programado para coletar coordenadas de hora em hora, com o transmissor operando 24 horas por dia, possibilitando o rastreamento contínuo do peixe-boi em campo (Miquel Garcia / Acervo Aquasis)


É uma vitória comovente para Sousa, que diz ter criado um vínculo com o peixe-boi. “Este trabalho foi realmente importante para mim”, diz Sousa. “No início, eu tinha a perspectiva de que estava trazendo algo para a Aquasis e Tico, mas com o tempo percebi o quanto recebi deles.”


"Sem a perspectiva adicional de Iury, não tenho certeza se teríamos conseguido permissão para trazer Tico de volta”, disse a coordenadora de monitoramento da Aquasis, Camila Carvalho de Carvalho. “Os dados fornecidos por um oceanógrafo foram fundamentais para contar a história completa da incrível jornada do Tico.”

Sousa é coautor do estudo publicado na revista Journal of Marine Biological Association.

O estudo não apenas relata a trajetória de Tico, mas também alerta sobre a importância das condições oceânicas para o planejamento de futuras solturas de mamíferos marinhos reabilitados, incluindo o peixe-boi-marinho.


Sobre o Woods Hole Oceanographic Institution


O Woods Hole Oceanographic Institution (WHOI) é uma organização privada e sem fins lucrativos localizada em Cape Cod, Massachusetts, dedicada à pesquisa marinha, engenharia e educação superior. Estabelecido em 1930, sua missão é entender o oceano e suas interações com a Terra como um todo, além de comunicar a importância do papel do oceano no ambiente global em mudança. As descobertas pioneiras do WHOI resultam de uma combinação ideal de ciência e engenharia, o que o torna um dos líderes mais confiáveis e tecnicamente avançados em pesquisa e exploração oceânica. O WHOI é conhecido por sua abordagem multidisciplinar, operações de navios superiores e capacidades incomparáveis de robótica de águas profundas. Saiba mais em whoi.edu.


Sobre a Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis)


A Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis) é uma organização sem fins lucrativos fundada em 1994 em Caucaia, Ceará, Brasil. Dedicada à conservação da biodiversidade e ao uso sustentável dos recursos, seu trabalho se concentra no Nordeste do Brasil, especialmente nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. As estratégias de conservação da Aquasis incluem a identificação de espécies ameaçadas, manejo in situ e ex situ, pesquisa, reflorestamento, educação comunitária, criação de áreas protegidas e apoio às políticas públicas. A organização foca em cinco espécies emblemáticas, incluindo o peixe-boi-marinho (Trichechus manatus), que atua como espécie guarda-chuva para a preservação de ecossistemas mais amplos e fornece benefícios ambientais essenciais para as comunidades locais. Saiba mais em aquasis.org.


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